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;O comum me amedronta; Somos tolos; Num mundo de flores perfumadas caminhamos tempos e tempos sós. Enquanto poderiamos estar bem acompanhados por um interior e exterior bem supremo preferimos a solidão!!!

domingo, 27 de março de 2011

Conto - Uma nota de piano para o soluço da morte .

Seu pai passou pela sala com um gole de álcool na garganta, dizendo:" Saia já daí menina, isso me deixa doido. Não faz outra coisa a não ser fuçar nesse negócio o dia todo!! Queria ver se tivesse que trabalhar dia e noite. Faça algo que dê dinheiro para pagar suas contas. Que saco!"
E ali ela ficou, com os dedos pairados nas teclas paradas de um piano velho.
Um vento clássico de outono inglês fora de época, fora de ordem...
Um caderno a seu lado manchado com chá, apesar de não saber nem que chá era aquele, bebera. Perdera a noção até de onde estava...a quanto tempo...para que... 
Uma música na cabeça; um som que ela não conseguira durante 20 anos reproduzir de seu coração para seu piano.
Se cansou de se esperar e saiu; pegando seu casaco, um caderno de notas com lápis, e um pequeno molho de chaves colocando tudo num bolso escondido.
Ao fechar a porta de frente para seu jardim mal cuidado encostou na grade e parou no tempo pensando em como não pensar em algo, esse algo ela sabia que era o que a sustentava, que a fazia levantar toda noite e tomar um copo de leite e acender um cigarro barato, e era o que neste momento trazia a ela uma vontade de sair para lugar nenhum procurando coisa alguma, sozinha.
Na segunda esquina olhou para trás, rumo a sua casa, e viu sua mãe com o telefone no ouvido esquerdo e a mão direita na testa, saindo pela mesma porta que ela acabara de fechar estando agora aberta; sentiu com isso uma aflição maior que a de costume.
E voltou correndo para casa, como se sua mãe ou algo ali estivesse correndo perigo. Com a mão no peito apertando também os olhos. Parou em frente a mãe, a olhou, seu intimo egoista sentia meio a tudo uma alegria, parecia adivinhar o que estava por vir, entre-olharam, mudas, e a mãe simplesmente deixou o aparelho cair caindo também em pranto como se a filha não estivesse ali, ela sabia, sentia. Era como se estivesse escrito no rosto daquela que a amava tanto. Seu pai morrera neste exacto momento...
Assim deixou a mãe, estática,  muda e quase morta no passeio do jardim tão seco quanto sua alma. Sentou-se no sofá, ia chorar, mas se levantou dali e se pôs frente ao piano e isso a fez esquecer que iam escorrer dolorosas lágrimas por seu rosto. Ali se fez uma canção como marcha fúnebre, a marcha de tom mais forte e mais belo que suas mãos já reproduziram de seu ser mórbido, realizado e em feliz estado.

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